X Sarau 1º de Maio: relato e fotos

Posted on 02/05/2024 by

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A PRAÇA SE TORNOU A PRAÇA PRIMEIRO DE MAIO!

Em uma bonita tarde que vai ficar em nossos corações, a antiga Praça Getúlio Vargas, no bairro Floresta, passou a se chamar Praça Primeiro de Maio. O Sarau 1º de Maio completou seus dez anos de existência reunindo cerca de 100 pessoas, que construíram e presenciaram poesia, música, capoeira, partilha do pão, luta social e memórias de nosso povo.

Como dissemos no ato, “cada rua e cada busto com nome de um empresário ou político é um pequeno gesto para apagar as nossas memórias, pois cada rua e cada prédio foi construída pela classe trabalhadora”. Por isso, foi a ação coletiva que transformou um antigo busto em um monumento novo, onde agora figuram páginas das memórias da classe trabalhadora. Não precisamos do ditador Getúlio Vargas, um dito “pai dos pobres”, pois somos filhas da luta!

Agradecemos a presença de toda a companheirada que participou deste momento, em especial da Mestra Karllinha da Capoeira Integrativa, da cantora Avini e do Baque Mulher. Saudação também para o Coletivo Pintelute, o artista Kio e a Arcano 21 Serigrafia que montaram banquinha junto com a Livraria 36.

Confira abaixo as fotos e a Carta de Abertura lida no Sarau.

Viva a Praça Primeiro de Maio!

Viva a luta internacional da classe trabalhadora!

 


Carta de Abertura do X Sarau Primeiro de Maio – Tomar a praça, fazer memória: por um Primeiro de Maio classista

L1 – Boa tarde, companheiras, tudo bem?

L2 – Boa tarde, companheiros, tudo bem?

L1 – Boa tarde, amores tomam a praça!

L2 – Boa tarde, rebeldias fazem memória!

L1 –  Somos do Coletivo Anarquista Bandeira Negra e construímos nacionalmente a Coordenação Anarquista Brasileira. Estamos organizando esse evento porque somos anarquistas. Ou seja, apostamos nessa ideologia que impulsiona lutas entre os oprimidos há mais de 150 anos, por todo o mundo.

Nossa tarefa é promover uma revolução social e construir o socialismo libertário. Para isso, acreditamos no contato permanente com a luta de classes, com os movimentos sociais, pois é o conjunto do povo oprimido que tem força e capacidade de construir o novo mundo que levamos em nossos corações.

L2 –  Cada militante deve estar em seu sindicato, grêmio, movimento comunitário ou coletivo. Além disso, temos a organização política anarquista para reunir nossas forças, debater nossa estratégia e fazer propaganda de nossas ideias. Sempre com a ética libertária, buscando influenciar cada espaço da sociedade com os valores da liberdade, da participação, da combatividade e da autogestão. Todas remando o barco no mesmo sentido, como demonstração de nosso compromisso e responsabilidade coletiva.

L1 – Mas por que um sarau? Vamos fazer memória das edições?

L2 –  Sim, ótima ideia. Quer começar?

L1 –  Dez anos atrás, algumas quadras daqui, no auditório Chico Lessa do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz, realizamos a primeira edição do Sarau 1º de Maio: dia de luta trabalhadora. Cerca de 50 compas com quem compartilhamos ruas e reuniões vieram compartilhar algo mais: palavras, acordes, atuações, enfim, expressar algo dos sentimentos que movem nossas lutas. Desde então, ano após ano… (L2 interrompe)

L2 – Em 2016, estivemos no Espaço Cultural Casa Iririú para rememorar e rebelar os 80 anos do combate ao fascismo, ao Estado e ao capitalismo na Espanha de 1936.

L1 – Entre crônicas, filmes, exposições e teatro, no ano de 2017 fomos até o bairro Itinga, na AMORABI, para a terceira edição, com o tema dos 100 anos da greve geral de 1917, que assustou os patrões e os governos de norte a sul, leste e oeste do Brasil republicano racista e patriarcal.

L2 – De 1968 até 2018. 50 anos de uma data rebelde por todo o globo. O sarau daquele ano conectou as barricadas operárias de Paris, os piquetes estudantis do México, a resistência contra a ditadura empresarial-militar no Brasil.

L1 – Em 2019, mantivemos nossos pés, corações e mentes na AMORABI, com o tema dos episódios de rebeldia latinoamericana, como os zapatistas no México e a Guerra da Água na Bolívia.

L2 – Ainda nos primeiros meses do pandêmico ano de 2020, realizamos uma primeira edição virtual voltando nossa arte contra o aumento do custo de vida, buscando fortalecer a Campanha de Luta por Vida Digna.

L1 – A pandemia capitalista levou milhares de irmãos e irmãs de classe. Em 2021, tivemos que manter a edição virtual e o tema foi a saúde pública. Enquanto chorávamos a partida de compas, organizamos a nossa raiva contra o governo genocida. 

L2 – A oitava edição, presencial lá na AMORABI, foi para afirmar que a arte transborda em nossos bairros, ruas, vizinhanças, famílias, escolas, nas favelas, aldeias, assentamentos, ocupações de moradia, dentro dos nossos movimentos sociais e organizações, que a arte faz parte da resistência.

L1 – Ano passado, nos dez anos das Jornadas de Junho de 2013, tiramos nossas máscaras e bandanas para debater sobre as conquistas e as derrotas daquele marcante ciclo de lutas.

L2 – E depois de cinco edições realizadas na Amorabi, dizemos um até logo.  Lá atrás, a nossa intenção era realizar o Sarau a cada edição em um espaço de militância diferente. Além disso, queríamos fortalecer a data para que os saraus avançassem para atos de rua em um período de 05 edições, o que precisou ser adiado. Ainda assim, é com alegre rebeldia que vemos chegar a décima edição consecutiva, organizada por uma militância que nunca arredou o pé da atuação social. Mantemos vivo o 1º de maio da classe trabalhadora conciliando trabalho, estudos, família, saúde física e mental, sem depender de cargo comissionado, edital público ou privado.

L1 – Na retrospectiva do Sarau fica evidente a memória como um instrumento de luta. Em Joinville, assim como em Santa Catarina, estamos em luta constante contra a visão da classe dominante, de defesa da ordem, da obediência, da família tradicional e da perspectiva eurocêntrica. Como já analisamos antes, no cenário internacional, “estamos agora a atravessar o apogeu da política neoliberal, onde o Estado fica cada vez mais restrito à defesa dos patrões e bilionários. Independente do governo, seguem avançando as privatizações, Organizações Sociais, parcerias público-privadas e a precarização do trabalho. As novas formas de sociabilidades, de lazer e cultura conduzem ao isolamento e individualismo. Nessas operações neoliberais, memórias e histórias de rebeldias e revoluções são extraídas de seus elementos coletivos, socialistas, para servir como mercadoria. Exemplos? Frida Kahlo. Entre tantas fotos icônicas da artista, poucos conhecem aquela de sua participação na marcha do Primeiro de Maio junto ao Sindicato de Pintores y Escultores, na Cidade do México.

L2 – Hoje estamos reunidos aqui em uma praça, intitulada pela classe dominante de Joinville de “Praça Getúlio Vargas”, para reivindicar o direito de expressar nossa arte em locais públicos e dar novo sentido a este local, trazendo à tona a memória de nossa classe.

Nas palavras do compa e cronista Carlos de Oliveira: 

o 1º de Maio é o dia para lembrar e dar importância a todos e todas trabalhadores e trabalhadoras do mundo. Um dia para dedicar e homenagear os Mártires de Chicago. Oito pessoas que foram mortas pelo governo e patrões. Todos que, hoje, ainda precisam dedicar seus esforços para enriquecer poucos, devem dedicar ao menos uma tarde do ano para Albert Parsons, Louis Lingg, Adolph Fischer, George Engel, August Spies, Michael Schwab, Samuel Fielden e Oscar Neebe.

Se os protestos operários na cidade de Chicago, em 1886, se tornaram a data celebrada em mais países em todo o mundo, foi pela disposição de solidariedade internacionalista de nossa classe. Aqui no Brasil, aqui nesta mesma cidade, ainda no século XIX, o movimento operário com marcante presença anarquista tomou a data como palco da luta por 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso. Foi por esta luta que a  Organização Internacional do Trabalho, em 1919, definiu a jornada de trabalho com 8  horas por dias e até 48 horas por semana. Uma conquista da luta internacional.

L1 – No Brasil, foi o presidente Artur Bernardes, representante dos patrões, que começa a operação de sequestrar as lutas e os símbolos da classe trabalhadora. O Primeiro de Maio foi tornado feriado nacional em 1924.

Alguns anos depois, Getúlio Vargas comandava uma ditadura no país chamada Estado Novo (1937-1945). Em 1943, ele assinou a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, com a  jornada com 8 horas diárias e com 44 horas semanais, mais 2 horas extras por dia. Enquanto operava um regime de censura, prisões, torturas e morte, ele fez uma verdadeira operação de comunicação para anunciar os direitos trabalhistas como um presente seu para o “povo brasileiro”. Todo o suor e sangue da luta organizativa desde os anos da população negra escravizada e dos povos originários, depois do sindicalismo revolucionário mobilizado por anarquistas, socialistas e comunistas, tudo sofreu apagamento. A mensagem era clara: enaltecer o líder, glorificar o ditador, amar o dito “pai dos pobres”.

Até a década de 1940, a rua ao nosso lado era chamada Katharinenstrasse. Foi alterada para Rua Getúlio Vargas. Ao mesmo tempo, foi inaugurado o lugar de memória que estamos para tomar. Cada rua e cada busto com nome de um empresário ou político é um pequeno gesto para apagar as nossas memórias, pois cada rua e cada prédio foi construída pela classe trabalhadora. Neste local, viveram e ainda vivem aquelas que lutam pelo socialismo libertário, pelo anarquismo. Poucos ou muitos, ontem ou hoje, a nossa presença causa temor nos governos e patrões, nos Vargas, Dohlers, Carlitos, Adrianos, Jorginhos, Tebaldis, Luizes, Bolsonaros, Lulas.

Aliás, mês passado passaram os 60 anos do golpe dos militares em 1 de abril de 1964, mas vimos que não é possível esperar nada das instituições ditas “democráticas” ou dos governos autointitulados “populares”. É preciso que os movimentos sociais, organizações políticas, sindicatos, centro acadêmicos e povo organizado retomem a luta por direito à memória, verdade e justiça.

L2- Sim! As instituições políticas, jurídicas e militares estão abraçadas. Em Joinville, os poucos lugares de memórias que remetem às classes populares e às nossas lutas aconteceram quando estávamos organizados e pressionamos o poder municipal para aceitar as nossas demandas. A Rua Cineasta Leon Hirszman, histórico artista comunista, está no Bairro Itinga. A Rua Professor Eunaldo Verdi, apoiador da luta estudantil contra a ditadura, no Jardim Sofia. A Rua Ernesto Guevara, nome autoexplicativo, que é paralela com a Rua Cuba, também no Jardim Sofia. A Rua Samora Machel, revolucionário socialista moçambicano, no Floresta, e a Rua Primeiro de Maio, no Boa Vista. Exemplos da força popular construindo a sua própria memória.

L2 – Ao imaginar um futuro possível, as memórias são peças constituintes deste amanhã.  Memórias que servem…(L1 interrompe a fala de L2)

L1 – … para destruir certezas, enterrar governos, patrões e opressões, para anunciar mudanças.

L2 – Se estamos aqui, é porque somos fruto de gerações que lutaram por uma vida além do trabalho, uma vida digna para se viver. Em nossas memórias existem perseguições, torturas e assassinatos, mas também existem greves históricas, ocupações, marchas, sabotagens. Acima de tudo, do sangue derramado nutrimos um novo amanhã, cheio de vontade de lutar, ÂNIMO COMPANHEIRA! “A ideia, perseguida, é mais sublime”, já dizia José Oiticica.

L1 – Nossa memória enquanto povo é uma arma. Ela incendeia, serve como pavio de nossas ações. Por nossa memória, tornamos verdade o verso do poeta anarquista, que diz que:

“A cada herói que morra ou desanime /

Dezenas de outros bravos surgirão”

NÃO PRECISAMOS DE “PAI DOS POBRES”, POIS SOMOS FILHAS DA LUTA!

NÃO É DIA DO TRABALHO, É DIA DE QUEM TRABALHA!

VIVA O PRIMEIRO DE MAIO!